DOIS
MODELOS DE ESTADO: LIBERAL E ANARQUISTA
Muitos
filósofos trataram do tema Estado,como fruto de um pacto ou contrato a partir da união dos
indivíduos. Em geral, esses filósofos se basearam no direito natural, ou seja,
no jusnaturalismo. Hobbes, Rousseau e Locke discordaram do significado exato
desses direitos, mas, de qualquer forma, muitas de suas teorias filosóficas
foram bem-aceitas por uma classe tipicamente moderna, que é a burguesia. Em
síntese, esse ideário ajudou a burguesia a se libertar da mediação política da
tradição medieval e da Igreja Católica. De modo especial, John Locke, ao se
referir aos direitos naturais, pensava que todos nascem com direito:
à
vida; à
liberdade;
à
propriedade.
Por isso, é função do Estado fazer com que a vida, a liberdade e a
propriedade de cada um sejam respeitadas. Dessa maneira, a burguesia, que
estava em plena ascensão entre os séculos XVII e XVIII, encontrou nessa teoria
uma das bases para a legitimação de seu poder. Com a teoria do indivíduo
proprietário e livre para lucrar com o comércio e a indústria, constituiu-se o
fundamento do liberalismo. No liberalismo, o Estado é responsável pela guarda
das propriedades particulares contra os pobres, já que esses teriam perdido sua
propriedade por usarem mal a própria liberdade. Assim, a pobreza é tida como
responsabilidade do pobre, que deve usar a sua liberdade para o trabalho como
fonte de novas propriedades.
Quais são os direitos que os seres
humanos têm pelo simples fato de nascerem?
Se todos os seres humanos nascem iguais,
por que há tanta desigualdade entre eles?
Existem profundas diferenças entre os homens. Mas, em vez de causas
naturais, essas diferenças têm causas sociais. Alguns se alimentam bem todos os
dias, têm muito dinheiro, trabalham poucas horas e dispõem de tempo e condições
para desfrutar das mais variadas formas de lazer. Enquanto isso, outros vivem
situações absolutamente inversas.
La Boétie procurou explicar o motivo pelo qual as pessoas obedecem o
tirano. Suas observações e reflexões o levaram a afirmar que a sujeição de
muitos por um tirano está relacionada muito mais com desejo do que com medo.
Essa é a fonte do poder tirano: o desejo de poder de quem ele subjuga. Isso
porque os menos favorecidos que se sujeitam ao tirano desejam também o poder porque
este é o meio de ter posses. Para garantir a posse dos bens, deseja-se a
tirania e, para tê-la, acaba-se por obedecer ao tirano. Dessa maneira, as
pessoas perdem sua liberdade no momento em que obedecem às outras, em busca da
tirania para alcançar seus bens. Para La Boétie, essas pessoas se tornam
escravas por livre vontade, vivendo uma verdadeira servidão voluntária.
Com base nesses dados, hipoteticamente, pode-se pensar que, segundo os
números de 1999, mais da metade das famílias (60,3%) não tinha uma renda acima
de 680 reais e apenas 5,9 % recebiam por mês mais de R$ 2.720,00.
Após a observação dos dados do IBGE, peça aos alunos que examinem o
quadro a seguir para uma reflexão sobre as diferenças sociais no Brasil.
Caso a renda mensal fosse dividida igualmente,
todas as famílias receberiam 511 reais. Nesta hipótese, por que a maioria
dessas famílias se permite receber apenas 136 reais? Segundo La Boétie, elas
entregam a sua liberdade e se tornam escravas por um salário bem baixo para um
dia poderem conseguir bens. É o desejo de bens e de riqueza que torna esses
indivíduos servos voluntários, e não simplesmente a luta pela sobrevivência.
Por isso, se o poder de quem está no topo da pirâmide social é alimentado pelo
desejo de bens das pessoas que estão abaixo, contra isso só há uma maneira para
alcançar de novo a liberdade: não desejar mais bens desnecessários. Dessa
forma, não há mais a busca e/ou aceitação da tirania de outras pessoas.
dialogar – O anarquismo
Como você sabe, no senso comum, o anarquismo é algo sem organização, em
que qualquer um pode fazer o que bem entende. A teoria anarquista não defende
que cada um possa fazer o que bem entende, mas sim que a organização política
deva ser de modo tal que cada indivíduo possa participar do poder sem a instalação
de um Estado que governe a todos. Os anarquistas têm como centro da ação
política o indivíduo livre, autônomo, ou seja, capaz de se autogovernar e de
participar de sociedade na qual a descentralização do poder é um princípio
fundamental. A autonomia no anarquismo exige que o indivíduo livre exerça a sua
própria autoridade, sendo essa a única possível. Ou seja, no anarquismo,
espera-se que as pessoas não precisem de governo para poder viver, pois se
acredita que os seres humanos tenham a capacidade de viver em paz e em
liberdade.
Por isso, os anarquistas combateram o Estado. Para eles, o Estado não
garante a liberdade; pelo contrário, provoca a escravidão, pois controla a vida
de todos, desde o nascimento até a morte. Por exemplo, quando nascemos, temos
de ser registrados e, depois, temos de tirar vários documentos. No caso dos
homens, aos 18 anos, é obrigatória a apresentação para o serviço militar.
Finalmente, precisamos de autorização até mesmo para o sepultamento, quando
ganhamos mais um documento – o atestado de óbito –, para provar que estamos
mortos. Para os anarquistas, o Estado destrói a vida das pessoas, quer pela
burocracia, quer
pelo uso da força, como é o caso da polícia. Quanto à democracia
burguesa, merece ser criticada e superada por favorecer a desigualdade social e
não permitir a construção de uma sociedade de liberdade para todos.
liberdade e responsabilidade
Poderíamos resumir a ação direta do
anarquismo nessas duas palavras: liberdade e responsabilidade, uma vez que seu
ideário propõe a eliminação de toda forma de hierarquia entre os homens. Em vez
de existirem o Estado e as fronteiras, os seres humanos viveriam em comunidades
autogovernadas que decidiriam quem seria responsável por resolver os problemas
(o que não significa atribuir-lhes autoridade). Para facilitar, os esquemas a
seguir permitem visualizar, mais claramente, a concepção de política anarquista
em comparação à concepção liberal de Estado.
Autoridade
“Decorre daí que rejeito toda autoridade? Longe de mim este pensamento.
Quando se trata de botas, apelo para a autoridade dos sapateiros; se trata de
uma casa, de um canal ou de uma ferrovia, consulto a do arquiteto ou a do
engenheiro. Por tal ciência especial, dirijo-me a este ou àquele cientista. Mas
não deixo que me imponham nem o sapateiro, nem o arquiteto, nem o cientista. Eu
os aceito livremente e com todo o respeito que me merecem sua inteligência, seu
caráter, seu saber, reservando, todavia, meu direito incontestável de crítica e
de controle. Não me contento em consultar uma única autoridade especialista,
consulto várias; comparo suas opiniões, e escolho aquela que me parece a mais
justa. Mas não reconheço nenhuma autoridade infalível, mesmo nas questões
especiais; consequentemente, qualquer que seja o respeito que eu possa ter pela
humanidade e pela sinceridade deste ou daquele indivíduo, não tenho fé absoluta
em ninguém. Tal fé seria fatal à minha razão, à minha liberdade e ao próprio
sucesso de minhas ações; ela me transformaria imediatamente num escravo
estúpido, num instrumento da vontade e dos interesses de outrem. [...]
Inclino-me diante da autoridade dos homens especiais porque ela me é imposta
por minha própria razão. Tenho consciência de só poder abraçar, em todos os
seus detalhes e seus desenvolvimentos positivos, uma parte muito pequena da
ciência humana. A maior inteligência não bastaria para abraçar tudo. Daí
resulta, tanto para a ciência quanto para a indústria, a necessidade da divisão
e da associação do trabalho. Recebo e dou, tal é a vida humana. Cada um é
dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade
fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação
mútuas, passageiras e, sobretudo, voluntárias. Esta mesma razão me proíbe,
pois, de reconhecer uma autoridade fixa, constante e universal, porque não há
homem universal, homem que seja capaz de aplicar sua inteligência, nesta
riqueza de detalhes sem a qual a aplicação da ciência a vida não é
absolutamente possível, a todas as ciências, a todos os ramos da atividade
social. E, se uma tal universalidade pudesse ser realizada em um único homem, e
se ele quisesse se aproveitar disso para nos impor sua autoridade, seria
preciso expulsar esse homem da sociedade, visto que sua autoridade reduziria
inevitavelmente todos os outros à escravidão e à imbecilidade. Não penso que a
sociedade deva maltratar os gênios como ela o fez até o presente momento; mas
também não acho que os deva adular demais, nem lhes conceder quaisquer
privilégios ou direitos exclusivos; e isto por três razões: inicialmente porque
aconteceria com frequência de ela tomar um charlatão por um gênio; em seguida
porque, graças a este sistema de privilégios, ela poderia transformar um
verdadeiro gênio num charlatão, desmoralizá-lo, animalizá-lo; e, enfim, porque
ela daria a si um senhor”.