E.E "Pedro de Mello" Filosofia - Professor Ednilson

segunda-feira, 18 de junho de 2012

ESTE é o texto que vou utilizar para prova de recuperação para os ALUNOS do terceiro ano

Resumo – Filosofia Política

De início, podemos dizer que é importante, no contexto atual, refletir sobre os valores, as regras sociais e políticas, os direitos, as liberdades e muitos outros conceitos que encontramos em nossa sociedade e no mundo em geral.
A reflexão filosófica acerca da ‘política’ contribui para nossa educação enquanto cidadãos e nos fornece uma base para o exercício da cidadania. É preciso dizer que em Filosofia Política não se posicionar é nada fazer; ora, nada fazer é compactuar com o que está estabelecido – seja lá o que for. Portanto, em Filosofia Política a ausência de convicção refuta-se a si mesma.
Filósofo político => a reflexão dos filósofos políticos se assenta sobre três pressupostos básicos. O primeiro deles consiste no fato de que todos eles buscam justificar uma forma de Estado (democrática, monárquica, despótica, etc), ou seja, provar que determinada forma é a melhor para a sociedade. O segundo é mostrar que os indivíduos têm certos direitos inalienáveis (que não podem ser negados). Ex. liberdade de expressão, direito de ir e vir, entre outros. O terceiro é mostrar como os recursos materiais da sociedade devem ser distribuídos entre seus membros (alguns defendem que devem ser distribuídos igualmente, outros, de acordo com a necessidade de cada um, entre outras formas)
Características principais da filosofia política: Generalidade: todos os conceitos políticos procuram atingir o maior número de pessoas que compõem uma sociedade. Abstração: todos os conceitos políticos são estruturados a partir de ideias, e não de fatos concretos. Ex: justiça, bem comum, etc.
A filosofia política analisa os sistemas econômicos (ex. capitalismo), e reflete sobre o modo como devem ser distribuídos os bens a as riquezas numa determinada sociedade. Busca também um princípio que regule essa distribuição. No que diz respeito à Ética, pode-se dizer que a filosofia política é normativa. Enquanto a Ética (enquanto disciplina filosófica) reflete sobre o que é justiça, a filosofia política reflete sobre o que é uma sociedade justa.
Tema central da Filosofia PolíticaPoder Político: capacidade de um grupo social se impor sobre outro, a partir de sua capacidade de orientar e dirigir, assegurando a ordem interna de uma sociedade e sua segurança externa. Seu principal objetivo é manter a ordem, assegurar a defesa e promover o bem-estar da sociedade: realizar o bem público.
Poder do EstadoO poder é mais do que essencial para o Estado, pois, ele é o próprio estado. Podendo observar duas formas de poder: O poder não-dominante e o poder dominante. Sendo este último de fundamental importância, pois, mesmo supondo uma sociedade tão civilizada como ainda não existe, onde a moral e a razão guiassem sem atrito as multiformes atividades da maioria, sempre existirá uma fração maior ou menor de inadaptados, criminosos, loucos ou perversos, que seria preciso submeter pela força ou pela ameaça da força, e para isto teria que haver uma autoridade. O verdadeiro sentido do poder ou dominação estatal não é que uns homens estão submetidos a outros, mais sim o de que todos os homens estão submetidos às normas.
O poder do Estado se assenta sobre duas forças principais (segundo Gramsci): a coercitiva, que nada mais é que a imposição do poder pela violência, administrada por um grupo de intelectuais, os burocratas. Quando essa força não é suficiente para conter as massas, é exercida a força ideológica, que influencia as massas de acordo com a ideologia e os valores da classe dirigente, para que se submeta mais facilmente.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

COLOQUEI COMENTÁRIO NOS TEXTOS PARA OS ALUNOS! PROCUREM LER! S2!!

As filosofias políticas – A vida boa (Sofistas, Platão e Aristóteles

ESSE TEXTO É UM COMPLEMENTO DO TEXTO DE POLÍTICA POSTADO ANTERIORMENTE!!


As filosofias políticas – A vida boa (Sofistas, Platão e Aristóteles)
Quando lemos os filósofos gregos e romanos, observamos que tratam a política como um valor e não como um simples fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Embora considerem a forma mais alta de vida a do sábio contemplativo, isto é, do filósofo, afirmam que, para os não-filósofos, a vida superior só existe na Cidade justa e, por isso mesmo, o filósofo deve oferecer os conceitos verdadeiros que auxiliem na formulação da melhor política para a Cidade.
Política e Filosofia nasceram na mesma época. Por serem contemporâneas, diz-se que “a Filosofia é filha da polis” e muitos dos primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos) foram chefes políticos e legisladores de suas cidades. Por sua origem, a Filosofia não cessou de refletir sobre o fenômeno político, elaborando teorias para explicar sua origem, sua finalidade e suas formas. A esses filósofos devemos a distinção entre poder despótico e poder político.
Origem da vida política
Entre as explicações sobre a origem da vida política, três foram as principais e as mais duradouras:
1. As inspiradas no mito das Idades do Homem ou da Idade de Ouro. Esse mito recebeu inúmeras versões, mas, em suas linhas gerais, narra sempre o mesmo: no princípio, durante a Idade de Ouro, os seres humanos viviam na companhia dos deuses, nasciam diretamente da terra e já adultos, eram imortais e felizes, sua vida transcorria em paz e harmonia, sem necessidade de leis e governo.
Em cada versão, a perda da Idade de Ouro é narrada de modo diverso, porém, em todas, a narrativa relata uma queda dos humanos, que são afastados dos deuses, tornam-se mortais, vivem isoladamente pelas florestas, sem vestuário, moradia, alimentação segura, sempre ameaçados pelas feras e intempéries. Pouco a pouco, descobrem o fogo: passam a cozer os alimentos e a trabalhar os metais, constroem cabanas, tecem o vestuário, fabricam armas para a caça e proteção contra animais ferozes, formam famílias.
A última idade é a Idade do Ferro, em geral descrita como a era dos homens organizados em grupos, fazendo guerra entre si. Para cessar o estado de guerra, os deuses fazem nascer um homem eminente, que redigirá as primeiras leis e criará o governo. Nasce a política com a figura do legislador, enviado pelos deuses.
Com variantes, esse mito será usado na Grécia por Platão e, em Roma, por Cícero, para simbolizar a origem da política através das leis e da figura do legislador. Leis e legislador garantem a origem racional da vida política, a obra da razão sendo a ordem, a harmonia e a concórdia entre os humanos sob a forma da Cidade. A razão funda a política.
2. As inspiradas pela obra do poeta grego Hesíodo, O trabalho e os dias. Agora, a origem da vida política vincula-se à doação do fogo aos homens, feita pelo semideus Prometeu. Graças ao fogo, os humanos podem trabalhar os metais, cozer os alimentos, fabricar utensílios e sobretudo descobrir-se diferentes dos animais. Essa descoberta leva a perceber que viverão melhor se viverem em comunidade, dividindo os trabalhos e as tarefas. Organizados em comunidades, colocam-se sob a proteção dos deuses de quem receberam as leis e as orientações para o governo.
Pouco a pouco, porém, descobrem que sua vida possui problemas e exige soluções que somente eles podem enfrentar e encontrar. Mantendo a piedade pelos deuses, entretanto, criam leis e instituições propriamente humanas, dando
origem à comunidade política propriamente dita. É a teoria política defendida pelos sofistas. Nessa concepção, o desenvolvimento das técnicas e dos costumes leva a convenções entre os humanos para a vida em comunidade sob leis. A convenção funda a política.
3. As teorias que afirmam que a política decorre da Natureza e que a Cidade existe por natureza. Os humanos são, por natureza, diferentes dos animais, porque são dotados do logos, isto é, da palavra como fala e pensamento. Por serem dotados da palavra, são naturalmente sociais ou, como diz Aristóteles, são animais políticos. Não é preciso buscar nos deuses, nas leis ou nas técnicas a origem da Cidade: basta conhecer a natureza humana para nela encontrar a causa da política. Os humanos, falantes e pensantes, são seres de comunicação e é essa a causa da vida em comunidade ou da vida política. Nessa concepção, a Natureza funda a política.
Na primeira teoria, a política é o remédio que a razão encontra para a perda da felicidade da comunidade originária. Na segunda, a política resulta do desenvolvimento das técnicas e dos costumes, sendo uma convenção humana. Na terceira, enfim, a política define a própria essência do homem, e a Cidade é considerada uma instituição natural. Enquanto as duas primeiras reelaboram racionalmente as explicações míticas, a terceira parte diretamente da definição da natureza humana.

Finalidade da vida política
Para os gregos, a finalidade da vida política era a justiça na comunidade.
A noção de justiça fora, inicialmente, elaborada em termos míticos, a partir de três figuras principais: themis, a lei divina que institui a ordem do Universo; cosmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina; e dike, a justiça entre as coisas e entre os homens, no respeito às leis divinas e à ordem cósmica. Pouco a pouco, a noção de dike torna-se a regra natural para a ação das coisas e dos homens e o critério para julgá-las.
A idéia de justiça se refere, portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e pune as ações das coisas e dos seres humanos. A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da Natureza ou physis. Lei (nomos), Natureza (physis) e ordem (cosmos) constituem, assim, o campo da idéia de justiça.
A invenção da política exigiu que as explicações míticas fossem afastadas – themis e dike deixaram de ser vistas como duas deusas que impunham ordem e leis ao mundo e aos seres humanos, passando a significar as causas que fazem haver ordem, lei e justiça na Natureza e na polis. Justo é o que segue a ordem natural e respeita a lei natural. Mas a polis existe por natureza ou por convenção entre os homens? A justiça e a lei política são naturais ou convencionais? Essas indagações colocam, de um lado, os sofistas, defensores do caráter convencional da justiça e da lei, e, de outro lado, Platão e Aristóteles, defensores do caráter natural da justiça e da lei.
Para os sofistas, a polis nasce por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais útil a vida em comum do que em isolamento. Convencionam regras de convivência que se tornam leis, nomos. A justiça é o consenso quanto às leis e a finalidade da política é criar e preservar esse consenso.
Se a polis e as leis são convenções humanas, podem mudar, se mudarem as circunstâncias. A justiça será permitir a mudança das leis sem que isso destrua a comunidade política, e a única maneira de realizar mudanças sem destruição da ordem política é o debate para chegar ao consenso, isto é, a expressão pública da vontade da maioria, obtida pelo voto.
Por esse motivo, os sofistas se apresentavam como professores da arte da discussão e da persuasão pela palavra (retórica). Mediante remuneração, ensinavam os jovens a discutir em público, a defender e combater opiniões, ensinando-lhes argumentos persuasivos para os prós e os contras em todas as questões. A finalidade da política era a justiça entendida como concórdia, conseguida na discussão pública de opiniões e interesses contrários. O debate dos opostos, a exposição persuasiva dos argumentos antagônicos, deviam levar à vitória do interesse mais bem argumentado, aprovado pelo voto da maioria.

Em oposição aos sofistas, Platão e Aristóteles afirmam o caráter natural da polis e da justiça. Embora concordem sob esse aspecto, diferem no modo como concebem a própria justiça.
Para Platão, os seres humanos e a polis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade: a alma concupiscente ou desejante (situada no ventre), que busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência, quanto os que, simplesmente, causam prazer; a alma irascível ou colérica (situada no peito), que defende o corpo contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor na proteção de nossa vida; e a alma racional ou intelectual (situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento, tanto sob a forma de percepções e opiniões vindas da experiência, quanto sob a forma de idéias verdadeiras contempladas pelo puro pensamento.
Também a polis possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência material da cidade; a classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis.
Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do que as outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma irascível (a agressividade) é mais poderosa do que a racional, dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à irascível, a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, a superior dominando as inferiores.
O que é a justiça política? Essa mesma hierarquia, mas aplicada à comunidade. Como realizar a Cidade justa? Pela educação dos cidadãos – homens e mulheres (Platão não exclui as mulheres da política e critica os gregos por excluí-las). Desde a primeira infância, a polis deve tomar para si o cuidado total das crianças, educando-as para as funções necessárias à Cidade.
A educação dos cidadãos submete as crianças a uma mesma formação inicial em cujo término passam por uma seleção: as menos aptas serão destinadas à classe econômica, enquanto as mais aptas prosseguirão os estudos. Uma nova seleção separa os jovens: os menos aptos serão destinados à classe militar enquanto os mais aptos continuarão a ser educados. O novo ciclo educacional ensina as ciências aos jovens e os submete a uma última seleção: os menos aptos serão os administradores da polis enquanto os mais aptos prosseguirão os estudos. Aprendem, agora, a Filosofia, que os transformará em sábios legisladores, para que sejam a classe dirigente.

A Cidade justa é governada pelos filósofos, administrada pelos cientistas, protegida pelos guerreiros e mantida pelos produtores. Cada classe cumprirá sua função para o bem da polis, racionalmente dirigida pelos filósofos. Em contrapartida, a Cidade injusta é aquela onde o governo está nas mãos dos proprietários – que não pensam no bem comum da polis e lutarão por interesses econômicos particulares -, ou na dos militares – que mergulharão a Cidade em guerras para satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. Somente os filósofos têm como interesse o bem geral da polis e somente eles podem governá-la com justiça.
Por seu turno, Aristóteles terá uma teoria política diversa da dos sofistas e de Platão.
Para determinar o que é a justiça, diz ele, precisamos distinguir dois tipos de bens: os partilháveis e os participáveis. Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser dividida e distribuída – a riqueza é um bem partilhável. Um bem é participável quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser dividida nem distribuída, podendo apenas ser participada – o poder político é um bem participável. Existem, pois, dois tipos de justiça na Cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos; e a participativa, referente ao poder político. A Cidade justa saberá distingui-las e realizar ambas.
A justiça distributiva consiste em dar a cada um o que é devido e sua função é dar desigualmente aos desiguais para torná-los iguais. Suponhamos, por exemplo, que a polis esteja atravessando um período de fome em decorrência de secas ou enchentes e que adquira alimentos para distribuí-los a todos. Para ser justa, a Cidade não poderá reparti-los de modo igual para todos. De fato, aos que são pobres, deve doá-los, mas aos que são ricos, deve vendê-los, de modo a conseguir fundos para aquisição de novos alimentos. Se doar a todos ou vender a todos, será injusta. Também será injusta se atribuir a todos as mesmas quantidades de alimentos, pois dará quantidades iguais para famílias desiguais, umas mais numerosas do que outras.
A função ou finalidade da justiça distributiva sendo a de igualar os desiguais, dando-lhes desigualmente os bens, implica afirmar que numa cidade onde a diferença entre ricos e pobres é muito grande vigora a injustiça, pois não dá a todos o que lhes é devido como seres humanos. Na cidade injusta, em lugar de permitirem aos pobres o acesso às riquezas (por meio de limitações impostas à extensão da propriedade, de fixação da boa remuneração do trabalho dos trabalhadores pobres, de impostos e tributos que recaiam sobre os ricos apenas, etc.), vedam-lhes tal direito. Ora, somente os que não são forçados às labutas ininterruptas para a sobrevivência são capazes de uma vida plenamente humana e feliz. A Cidade injusta, portanto, impede que uma parte dos cidadãos tenha assegurado o direito à vida boa.

A justiça política consiste em respeitar o modo pelo qual a comunidade definiu a participação no poder. Essa definição depende daquilo que a Cidade mais valoriza, os regimes políticos variando em função do valor mais respeitado pelos cidadãos.
Há Cidades que valorizam a honra (isto é, a hierarquia social baseada no sangue, na terra e nas tradições), julgando o poder a honra mais alta que cabe a um só: tem-se a monarquia, onde é justo que um só participe do poder. Há Cidades que valorizam a virtude como excelência de caráter (coragem, lealdade, fidelidade ao grupo e aos antepassados), julgando que o poder cabe aos melhores: tem-se a aristocracia, onde é justo que somente alguns participem do poder. Há Cidades que valorizam a igualdade (são iguais os que são livres), consideram a diferença entre ricos e pobres econômica e não política, julgando que todos possuem o direito de participar do poder: tem-se a democracia, onde é justo que todos governem.

Os regimes políticos
Dois vocábulos gregos são empregados para compor as palavras que designam os regimes políticos: arche – o que está à frente, o que tem comando – e kratos – o poder ou autoridade suprema. As palavras compostas com arche (arquia) designam quantos estão no comando. As compostas com kratos (cracia) designam quem está no poder.
Assim, do ponto de vista da arche, os regimes políticos são: monarquia ou governo de um só (monas), oligarquia ou governo de alguns (oligos), poliarquia ou governo de muitos (polos) e anarquia ou governo de ninguém (ana). Do ponto de vista do kratos, os regimes políticos são: autocracia (poder de uma pessoa reconhecida como rei), aristocracia (poder dos melhores), democracia (poder do povo)xv.
Na Grécia e na Roma arcaicas predominaram as monarquias. No entanto, embora os antigos reis afirmassem ter origem divina e vontade absoluta, a sociedade estava organizada de tal forma que o governante precisava submeter as decisões a um Conselho de Anciãos e à assembléia dos guerreiros ou chefes militares. Isso fez com que, pouco a pouco, o regime se tornasse oligárquico, ficando nas mãos das famílias mais ricas e militarmente mais poderosas, cujos membros se consideravam os “melhores”, donde a formação da aristocracia.
O único regime verdadeiramente democrático foi o de Atenas. Nas demais cidades gregas e em Roma, o regime político era oligárquico-aristocrático, as famílias ricas sendo hereditárias no poder, mesmo quando admitiam a entrada de novos membros no governo, pois as novas famílias também se tornavam hereditárias.

Devemos a Platão e a Aristóteles duas idéias políticas, elaboradas a partir da experiência política antiga: a primeira delas é a distinção entre regimes políticos e não-políticos; a segunda, a da transformação de um regime político em outro. Um regime só é político se for instituído por um corpo de leis publicamente reconhecidas e sob as quais todos vivem, governantes e súditos, governantes e cidadãos. Em suma, é político o regime no qual os governantes estão submetidos às leis. Quando a lei coincide com a vontade pessoal e arbitrária do governante, não há política, mas despotismo e tirania. Quando não há lei de espécie alguma, não há política, mas anarquia.
A presença ou ausência da lei conduz à idéia de regimes políticos legítimos e ilegítimos. Um regime é legítimo quando, além de legal, é justo (as leis são feitas segundo a justiça); um regime é ilegítimo quando a lei é injusta ou quando é contrário à lei, isto é, ilegal, ou, enfim, quando não possui lei alguma. Os regimes políticos se transformam em decorrência de mudanças econômicas – aumento do número de ricos e diminuição do número de pobres, diminuição do número de ricos e aumento do número de pobres – e de resultados de guerras – conquistas de novos territórios e populações, submissão a vencedores que conquistam a Cidade.
Presença ou ausência da lei, variação econômica e militar determinam, segundo Platão e Aristóteles, a corrupção ou decadência dos regimes políticos: a monarquia degenera em tirania, quando um só governa para servir aos seus interesses pessoais; a aristocracia degenera em oligarquia dos muito ricos – plutocracia – ou dos guerreiros – timocracia -, que também governam apenas em seu interesse próprio; a democracia degenera em demagogia e esta, em anarquia. Em geral, a anarquia leva à tirania, quando a sociedade, desgovernada, apela para um homem superior aos outros no manejo das armas e dos argumentos, nele buscando a salvação.
A tipologia platônico-aristotélica segundo o valor dos que participam do poder e a teoria da decadência ou corrupção dos regimes políticos serão mantidas até o século XVIII, aparecendo com vigor numa das obras políticas mais importantes da Ilustração, O espírito das leis, de Montesquieu. Nessa obra, encontramos também uma idéia desenvolvida por Aristóteles, para quem a variação dos regimes políticos depende de dois fatores principais: a natureza ou índole do povo e a extensão do território.
Assim, por exemplo, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a igualdade e a liberdade e cuja Cidade é de pequena extensão territorial, naturalmente instituirá uma democracia e será mal-avisada se a substituir por um outro regime. Em contrapartida, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a obediência a uma única autoridade e que vive num território extenso, naturalmente instituirá a monarquia, sendo desavisada se a substituir por outro regime político. Em outras palavras, os filósofos gregos legaram ao Ocidente a idéia de regimes políticos naturais.

Ética e política
Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente humana digna de seres livres, então é inseparável da ética.
De fato, para os gregos, era inconcebível a ética fora da comunidade política – a polis como koinonia ou comuni dade dos iguais -, pois nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização mais alta. Quando estudamos a ética, vimos que Aristóteles distinguira entre teoria e prática e, nesta, entre fabricação e ação, isto é, diferenciara poiesis e praxis. Vimos também que reservara à praxis um lugar mais alto do que à fabricação, definindo-a como ação voluntária de um agente racional em vista de um fim considerado bom. A praxis por excelência é a política. A esse respeito, na Ética a Nicômaco, escreve Aristóteles:
Se, em nossas ações, há algum fim que desejamos por ele mesmo e os outros são desejados só por causa dele, e se não escolhemos indefinidamente alguma coisa em vista de uma outra (pois, nesse caso, iríamos ao infinito e nosso desejo seria fútil e vão), é evidente que tal fim só pode ser o bem, o Sumo Bem… Se assim é, devemos abarcar, pelo menos em linhas gerais, a natureza do Sumo Bem e dizer de qual saber ele provém. Consideramos que ele depende da ciência suprema e arquitetônica por excelência. Ora, tal ciência é manifestamente a política, pois é ela que determina, entre os saberes, quais são os necessários para as Cidades e que tipos de saberes cada classe de cidadãos deve possuir…A política se serve das outras ciências práticas e legisla sobre o que é preciso fazer e do que é preciso abster-se; assim sendo, o fim buscado por ela deve englobar os fins de todas as outras, donde se conclui que o fim da política é o bem propriamente humano. Mesmo se houver identidade entre o bem do indivíduo e o da Cidade, é manifestamente uma tarefa muito mais importante e mais perfeita conhecer e salvaguardar o bem da Cidade, pois o bem não é seguramente amável mesmo para um indivíduo, mas é mais belo e mais divino aplicado a uma nação ou à Cidade.
Platão identificara a justiça no indivíduo e a justiça na polis. Aristóteles subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da polis. Esse vínculo interno entre ética e política significava que as qualidades das leis e do poder dependiam das qualidades morais dos cidadãos e vice-versa, das qualidades da Cidade dependiam as virtudes dos cidadãos. Somente na Cidade boa e justa os homens poderiam ser bons e justos; e somente homens bons e justos são capazes de instituir uma Cidade boa e justa.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2 - TORNAR-SE INDIVÍDUO

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2 - TORNAR-SE INDIVÍDUO
Como nós pensamos o indivíduo?
Em geral, podemos dizer que o indivíduo tem duas dimensões: ser membro de uma sociedade qualquer (como uma formiga em um formigueiro) e, em sentido moral, um ser independente e autônomo. Portanto, quando falamos de indivíduo, pensamos em um ser da espécie humana com autonomia e independência. A primeira preocupação de Ricoeur é como, de modo geral, nos individualizamos. Como dizemos, por exemplo, que determinado ser é uma amostra indivisível de uma espécie? Como podemos afirmar que uma abelha, por exemplo, é um indivíduo da espécie das abelhas? O que faz com que ela represente sua espécie? Igualmente o homem. O ponto de partida de Ricoeur é a linguagem, pois é por meio dela que nós pensamos e dizemos o mundo. Esse ato de dizer o mundo só é possível pela interpretação, sendo a linguagem a manifestação da interpretação do mundo. E ela é capaz de dizer o indivíduo a partir de três formas: por descrições definidas, por nomes próprios e por indicadores. As descrições definidas podem ser: a menina que sempre compra chocolate. Nas descrições, há um entrecruzamento de categorias para designar um indivíduo. Os nomes próprios referem-se a uma designação específica e permanente. A função lógica é simples: designar a singularidade do indivíduo. Mas há outra maneira de dizer o indivíduo que, para Ricoeur, é a mais importante, a saber, por meio de indicadores, que podem ser pronomes pessoais, eu e tu; pronomes demonstrativos, isto e aquilo; advérbios de lugar, aqui, acolá e além; advérbios de tempo, agora, ontem, amanhã; advérbios de modo, assim e diversamente; além de todos os outros dessas categorias gramaticais. Os indicadores se diferenciam dos nomes próprios porque podem designar seres diferentes. Por exemplo, quando dizemos Pedro Álvares Cabral, nos referimos ao Pedro Álvares Cabral; quando dizemos você, podemos dizer essa palavra para referir a vários interlocutores. Esses indicadores envolvem completamente o locutor, o ser que pronuncia a linguagem e que narra, interpretando o mundo. Observe que, quando o locutor diz agora, ele se posiciona no tempo. O mesmo ocorre quando ele diz aqui, quando se posiciona no espaço. Quando ele diz você, ele se posiciona em relação a outro.
Eu digo
Em um diálogo, temos, necessariamente, dois interlocutores. No instante em que apenas um fala, nós temos o locutor. A locução exige alguém que ouça; portanto, falar é dirigir-se a. Uma interlocução exige o envolvimento de, pelo menos, dois seres – quem fala e quem ouve, ou ouvirá. No entanto, quando falamos, não apenas dizemos as coisas como são, mas criamos outras. Por exemplo, uma promessa. A promessa só existe a partir do ato da fala; ela é uma criação ética da própria linguagem, em meio a uma interlocução. Em geral, o “eu” aparece completamente imbricado em nossa fala, encaixado em tudo o que falamos. Mesmo sem perceber, cada vez que falamos, podemos nos remeter a nós mesmos, na condição de locutores. Este “eu” que somos está ancorado na história e no tempo vivido – o agora –, porque esse “eu” tem um nome próprio e uma data de nascimento, fixado no tempo e no espaço. Ao dizer o próprio nome, nós fazemos uma correlação do agora com aquilo que já vivemos sob esse nome, quer seja a nossa família, quer sejam nossos documentos. É a correlação do presente vivo (dizer o nome) com algum outro ponto no tempo. Do mesmo modo, podemos dizer isso do espaço, o lugar vivo agora, como a sala de aula, que pode ser correlato a outro espaço: pelo fato de dizermos eu estou na sala de aula, dizemos que não estamos em outro lugar, no qual já estivemos ou queríamos estar, por exemplo.
ipseidade – do que sou para quem sou
A ipseidade é a fala que usamos para dizer o que pertence apenas ao indivíduo, à sua singularidade. Aquilo que, entre vários de uma espécie, diferencia um só. Por exemplo, o que diferencia um cão de todos os outros do mundo. Quando dizemos somente este ser (cão) no mundo é assim, em tais razões e motivos, formamos a ipseidade. Somos seres que nos caracterizamos por instituir o mundo pela linguagem. Ademais, ela nos proporciona o que somos: seres que fazem uso desta mesma linguagem para se expressar, interpretar e ouvir. Isso significa dizer que a linguagem nos proporciona o que somos e o que o mundo é. Mas será que a linguagem é capaz de não apenas dizer o que somos, mas quem somos? Essa problemática do quem é fundamental, na medida em que a resposta a essa questão traz a possibilidade da instituição do “eu” como si mesmo – idêntico somente a si, diferente de todos da sua espécie.
Para sabermos quem é este “eu”, o passo seguinte é narrá-lo. Ao narrar, somos obrigados a dizer a ação desse sujeito. Narrativa supondo, minimamente, o “eu”, algum verbo, em algum lugar, em algum tempo, sobre algo, como em “Eu nasci em Sorocaba”; “Eu sei ler”; “Eu sinto saudade de Maria” etc. Até o ponto de criarmos “intrigas” ou entrelaçamento de vivências, ao máximo que nossa linguagem pode suportar. Somos mais densos conforme se aprofunda nossa linguagem e conforme nossas narrativas de nós mesmos melhoram. Além disso, torna-se fundamental pensarmos que nossa narrativa não diz apenas de um ser imutável; ela é uma história de um ser em contínua mudança, pois esse ser se dá pela ação narrada, e cada ação é diferente, até mesmo a mais recente delas. Portanto, nós somos a nossa história contada e somos leitores de nós mesmos.
A linguagem do “eu” e o outro
De fato, o uso da linguagem produz a constituição do “eu”. Nossas palavras e sentidos estão recheados das mais diversas ideologias. Nessa fusão quase sempre imperceptível, essas ideologias também nos instituem e nos configuram, atuando em nossa própria narrativa. Se aprendermos desde criança palavras de discriminação, de categorização de pessoas, algo comum em universos sociais racistas, nossa leitura de nós mesmos pode estar profundamente constituída por esses preconceitos. Com a exclusão do outro, por exemplo, instituímo-nos de maneira vil como racistas. No entanto, pode haver uma promessa que fazemos para sermos melhores dentro da sociedade, com ações cuja narrativa se expressa por um ato generosamente bonito. Por isso, podemos partir de uma situação de narrativa de nós mesmos para outra, na tentativa ética de superarmos as injustiças e a exclusão do outro. Podemos, sempre, perguntar a nós mesmos, o que dizer da sua história? Ela é honestamente bonita?Não se pode pressupor que a ética dependa exclusivamente do indivíduo por si mesmo, uma vez que esse indivíduo é configurado pela sua ação no mundo, principalmente em relação ao outro, por meio de cooperação a partir da linguagem. Para Ricoeur, a ideologia individualista propõe pensarmos que, independentemente dos outros, somos agentes éticos capazes de moldar a sociedade. Ao contrário, quando fazemos a promessa de sermos melhores, instituímos quem faz e quem ouve a promessa. Configurou-se o eu e o outro de mim, que agora é o tu-você. Depois, este que ouviu tem o direito de cobrar a promessa feita. Ao mantermos nossa promessa, estabelecemos um laço de confiança e de cooperação. Nossa narrativa nos configura, mas não o faz sem configurar o outro. O dever ético não se dá apenas sobre o indivíduo, mas sobre a relação com o outro.
A sujeição
Esse excerto traz uma das ideias centrais de Foucault, a qual diz respeito à invenção do sujeito moderno, do indivíduo moderno. Para este filósofo, a maneira como nos vemos não procede de nossa natureza, nem de uma essência pessoal; ela vem de fora, de práticas que criam sujeitos – a sujeição. Nós nos constituímos não apenas por palavras, mas por ações fundidas a palavras, que, de modo geral, vêm ditadas pela sociedade, ou melhor pelas instituições. Para Foucault, nós não somos fruto de teorias, somos fruto de práticas, ainda que algumas teorias nos influenciem. Por exemplo,seria possível existir um dançarino que nunca dançou ou um pintor que nada pinta? A resposta seria que são nossas práticas que nos constituem, e não a natureza. Foucault fala das práticas disciplinares que vieram das instituições modernas, principalmente a partir do século XVIII, como as prisões, os hospitais, os quartéis, as fábricas e as escolas; sim, as escolas etc.
A distribuição
A primeira atividade que as autoridades modernas deram ao corpo para discipliná-lo
foi a distribuição. Para controlar um indivíduo, é importante colocá-lo em um lugar
escolhido por nós.
#Primeiro, construindo cercas ou muros, como nos quartéis e nas escolas. Dessa maneira, os soldados e os alunos ficam separados das pessoas, não causando problemas.
# A segunda prática de distribuição consiste em separar os grupos e fazer com que cada um encontre um lugar no espaço. Por exemplo, cada trabalhador no seu setor, cada doente no seu quarto, cada aluno em sua carteira etc.
# A terceira prática de distribuição configura-se em dar aos indivíduos um lugar funcional: não basta separar, é preciso que estejam em um lugar em que possam ser vigiados, evitando comunicações indevidas ou reunindo forças contra quem os controla.
# Enfim, toda a separação tem o ideal da fila, o que quer dizer que as pessoas são separadas segundo uma hierarquia. Por exemplo, as séries e as classes na escola são separadas por hierarquias de idade, rendimento do aluno, e são formadas segundo a atenção dada à disciplina.
O controle do tempo
Outra forma de transformar os indivíduos por meio dos corpos consiste em controlar o seu tempo.
# Primeiro, pelos horários: hora para chegar, descansar, sair, trabalhar, dormir, acordar, tomar o remédio.
# Segundo, marcando o tempo de sua ação; por exemplo, a marcha dos soldados, a velocidade para apertar um parafuso na fábrica, em atender um telefone ou outra atividade.
# Terceiro, disciplinar o corpo inteiro, para sempre fazer bem-feito tudo.
# Quarto, adaptar o corpo aos objetos que se manipulam; por exemplo, caso fosse preciso ficar muito tempo em pé, seria necessário disciplinar as pernas e controlar os gestos, para que elas consigam executar as tarefas.
# Enfim, utilizar bem o tempo, até a exaustão.
O controle das gêneses
Para conseguir criar o indivíduo desejado, também foi preciso controlar a forma de sua subordinação à disciplina. Para isso:
# Separaram-se os aprendizes dos veteranos.
# Segundo as necessidades de exercícios, foram separados aqueles que precisavam melhorar o desempenho nesta ou naquela ação ou atividade, exercitando-os até que alcançassem o máximo rendimento. Como em uma academia de musculação, aquele que precisa trabalhar os braços, por exemplo, foi direcionado a isso, assim como no exército, em que aquele que precisa melhorar a pontaria é separado e exercitado para isso.
# Criaram-se testes para medir a habilidade de cada indivíduo e encerrar o processo.
# Para cada um é dada uma série de atividades, conforme sua idade, conhecimento e habilidade, até alcançar o objetivo final.
Recursos de um bom adestramento
Para conseguir um bom adestramento, foi preciso lançar mão de alguns recursos e procedimentos:
# Vigilância – é preciso que alguém fique observando a atividade, o corpo, o uso do tempo. Dessa maneira, será possível corrigir ou punir.
# A sanção normalizadora – em cada instituição, há maneiras de punir as pessoas que não cumprem seus deveres, o que ocorre na família, na escola, na fábrica ou no exército. Essa punição pode vir dos próprios integrantes da instituição (os familiares, por exemplo) ou das autoridades.
# O exame – ao saberem que vão ser submetidos a um teste, prova ou observação de uma autoridade, os indivíduos se autovigiam e se autopunem, colocando os objetivos das instituições dentro de si. Como? Vejamos o exemplo das provas na escola. Para se sair bem na prova de Matemática, o aluno terá de estudar. Estudar é uma atividade nem sempre agradável. Para realizar essa atividade nem sempre agradável, o aluno terá de se vigiar, dizendo a si mesmo: será que estou estudando o suficiente? Caso não esteja estudando, ele pode submeter-se a uma autopunição, por exemplo, já que não estudou durante a tarde, não assistirá ao filme da noite para poder fazê-lo.
# Os exames escolares produzem uma documentação que, ao final, compõe um histórico de cada pessoa. Por exemplo, tanto na escola como no hospital ou na fábrica, cada indivíduo tem uma ficha onde são registrados seus dados e guardados a documentação. Dessa maneira, é possível saber quantas vezes o aluno foi reprovado, se é ou não disciplinado, em quais matérias apresenta maior ou menor dificuldade, se foi punido e as razões de sua punição etc. Do mesmo modo, na fábrica, quantas vezes o operário chegou atrasado, quantas faltas já teve, quais suas condições de saúde, quantos e quais foram os acidentes sofridos etc. Enfim, cada um se torna um caso que requer determinado tratamento.
Para Foucault, os indivíduos não nascem prontos, não têm essência ou natureza; eles são criados pelas atividades que desenvolvem com o seu corpo. Para esse filósofo, somos corpo e nada mais. O que fazemos com o corpo é o que nos define, e não apenas o que é dito sobre nós mesmos. E ninguém nasce livre, apesar de essa frase parecer bonita; nossa liberdade é uma conquista que fazemos não com palavras, mas com práticas. As ideias/conceitos, a distribuição, o controle do tempo, o controle das gêneses e recursos de um bom adestramento, foram melhor trabalhadas na obra de Foucault, Vigiar e punir.
Refletir--Com base em Foucault, existem vários exemplos que moldam indivíduos, entre esse, pode-se destacar o trabalhador: O trabalhador é vigiado pelo gerente, desde o lugar onde está até o que está fazendo e em quanto tempo. Conforme o tempo passa, o trabalhador vai assumindo, mesmo sem perceber, ideias da ação do seu próprio corpo. Até chegar a hora em que vai acabar acreditando que aquele tipo de vida é ideal. Desse modo, como a fábrica é pensada racionalmente, o trabalhador vai levar para sua vida pessoal essa racionalidade, tanto na ordenação do espaço como na ocupação do tempo.
Estes conhecimentos sobre o corpo fazem com que cada vez mais as pessoas procurassem viver de forma a corresponder a eles. Assim, logo se descobriu que o que se faz com o corpo, se faz com a subjetividade das pessoas. Se alguém é treinado para ser soldado, logo ele pensará com os ideais de um soldado, terá emoções de soldado, ou seja, estará moldado por dentro e por fora para ser um soldado. O que se diria então dos esportistas, dos religiosos, dos alunos, dos trabalhadores? A modernidade a partir do corpo aprendeu a moldar as pessoas por completo, não apenas por teoria, mas sobretudo, por meio de técnicas.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2- INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA RELIGIÃO – DEUS E A RAZÃO

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2- INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA RELIGIÃO – DEUS E A RAZÃO

O fundamental neste exercício não é debater a existência real de Deus, mas orientar o aluno para a reflexão lógica. Não se trata de uma aula de convencimento ou discussão religiosa. Trata-se, sobretudo, de distinção de argumentos. Um cidadão precisa saber a diferença de uma fala apelativa para sentimentos de uma fala estabelecida pela razão. Dessa maneira, o aluno é convidado a pensar objetivamente os dados da cultura. A oposição clássica entre pensar e sentir deve orientar a introdução à Filosofia da Religião, buscando uma compreensão racional da existência ou não de Deus.e revelando-o como causa do mundo.
Para Platão, não existe apenas um deus criador de tudo, mas existe um responsável pela organização do mundo. Ele seria o Demiurgo – um ser que copiaria o mundo perfeito das ideias na matéria imperfeita. Antes de o mundo existir, havia ideias perfeitas e eternas que foram copiadas na matéria pelo Demiurgo. Embora as cópias não sejam perfeitas, a ação do Demiurgo permitiu tornar o mundo inteligível, por ter ordenado o mundo sensível favorecendo nossa compreensão sobre ele.
Para Aristóteles, Deus seria o primeiro motor, isto é, todas as coisas que se movimentam são movimentadas por outras coisas. As pessoas, os ventos, os mares, as nuvens, as árvores, cada ser no mundo passa do ato à potência, que é o movimento. Mas quem “daria o primeiro empurrão”, quem seria o primeiro motor? No livro Metafísica, a resposta apresentada por ele é Theós – que, em grego, significa Deus. Então, Deus existe porque alguém tinha de começar o movimento sem ser movimentado: um ato puro.

Para Plotino, o mundo é parte de Deus. Imaginemos que a luz é a existência e a falta de luz é não existir. Tudo o que está fora da luz não existe.
1. A lâmpada é a fonte da luz.
2. Tudo o que se pode ver precisa da luz; a luz está nas coisas para que elas apareçam.
3. A fonte da luz é superior ao que ela ilumina. Afinal, sem luz, as coisas não aparecem.

Deus é, assim, a fonte de tudo o que existe; ele é o Uno. Mas as coisas que emanam dessa fonte não se separam dela. Não existe a ideia de que os seres criados possam ser separados do criador, como no cristianismo. Assim como os objetos precisam da luz para aparecer, os seres precisam do Uno, ou Deus, para permanecer existindo; eles estão ligados, unidos, e tudo é parte de Deus. Por isso, quanto mais longe da fonte da luz estiver uma coisa, mais ela será sombria. Da mesma forma, quanto mais longe da fonte da existência, Deus, menor é a força de sua existência.
Por isso, o Uno emana, primeiro, a inteligência; depois, a alma que governa o mundo e, enfim, o próprio mundo material. Cada ser no mundo é um pedaço de Deus, mas Deus é superior a todas as suas pequenas partes. O que está mais longe de Deus é o mundo material, e o que está mais perto de Deus é a inteligência e a alma.
Para a filosofia cristã, a ideia de que o mundo e suas partes emanam de Deus não pode ser fundamentada, porque Deus é puro, homogêneo e não pode ser dividido. Então, quando Ele criou o mundo, o fez separado Dele. Uma ideia bastante difundida nas Igrejas cristãs de diversas denominações – criada pela filosofia cristã – é a de que o mundo não pode ter sido gerado do nada: o mundo veio da criação de Deus, e não do nada; afinal, se algo viesse do nada, ele deixaria de ser nada para se tornar criador.
Como sabemos, por dois motivos, muito se pode falar sobre o conceito de Deus na história da Filosofia. Primeiro, porque esse conceito foi um dos primeiros problemas filosóficos e, segundo, porque muitos sistemas filosóficos dependem desse conceito para seu desenvolvimento. De qualquer forma, as ideias anteriormente esboçadas podem ser consideradas matrizes do problema filosófico de Deus.

Deus não pode ser provado pela razão

Existem algumas provas racionais da existência de Deus. Vejamos, sucintamente, as principais:
1. Todos os povos têm religião; a existência de uma divindade é um consenso universal (consensus gentis).
2. O mundo tem uma ordem e deve haver uma inteligência ordenadora de todas as coisas (São Thomas).
3. Tudo tem uma causa. Tudo que foi causado pode causar outras coisas. Deve haver algo que causa as coisas, mas não foi causado por ninguém. Deus é a causa não causada (Aristóteles).
4. Todas as coisas estão em movimento e movimentam outras coisas. O movimento é a passagem do que é (ato) para aquilo que pode vir a ser (potência). Deve haver um ser que movimenta as outras coisas, mas não é movimentado por nada, o primeiro motor – ou o motor imóvel (Aristóteles).
5. Tudo o que é alguma coisa participa de outra melhor. Por exemplo, algo quente participa do fogo. Cada ser tem um grau de perfeição, como o fogo e o objeto quente. O limite máximo da perfeição é Deus; acima Dele não há nada melhor (São Thomás).
6. Prova de São Thomás de Aquino — Cada ser precisa de algum outro para existir; este ser é chamado de ser possível. Por exemplo, para existir, uma criança precisa de um pai e de uma mãe. O pai e a mãe precisam de outros seres; estes, de outros, e assim por diante. Todas as coisas do mundo precisam de outro ser para existir. Mas há um ser que não precisa de ninguém para existir; a ele nós chamamos de ser necessário. Se todos os seres do mundo precisam de outro para existir, deve haver, portanto, um ser que dê a existência ao mundo e ao mesmo tempo não precise de nada para existir; esse ser necessário é Deus.
7. Prova de Santo Anselmo — Aquilo que nós não conseguimos pensar nada de maior não pode estar apenas no intelecto. Afinal, o intelecto não ultrapassa essa ideia nem a contém. Então, se o intelecto não ultrapassa essa ideia, quer dizer que ela também está fora dele, na realidade. Como um copo que transborda com a água, há água dentro e fora do copo. Deus é o ser que nós não conseguimos pensar nada maior. Por isso, ele não pode ser apenas uma ideia; ele é uma realidade. Para o filósofo Immanuel Kant, cada uma dessas provas é uma prova lógica, apenas racional. Mas nem sempre o que dá certo nas teorias lógicas acontece ou se repete no mundo real: a realidade não é devedora das nossas lógicas.
Nós somos seres que pensamos apenas por meio de categorias limitadas, como tempo e espaço. Qualquer ser real, fora das nossas categorias, não pode ser conhecido, nem podemos provar a sua existência. Só podemos confirmar a existência de alguma coisa fazendo a experiência dela; do contrário, ela é uma suposição lógica, uma hipótese. Para Kant a prova de Santo Anselmo (item 7) incorre nesse erro. Do mesmo modo, a experiência objetiva nos diz que a prova da causalidade (3a) não é uma prova da existência de Deus. Nós sabemos que alguns efeitos têm determinadas causas.
De outros efeitos, não sabemos as causas. Por hipótese, é possível que haja uma causa inicial, mas, por não podermos repetir a experiência inicial, a prova perde seu valor. Novamente, o que é certo na lógica nem sempre é certo na realidade.
Kant disse o mesmo da prova da ordem do mundo (2a). Se pensarmos que o mundo tem uma ordem, podemos certamente supor que haja alguém que tenha ordenado todas as coisas. Por exemplo, se olhamos uma casa bem feita, suporíamos que ali trabalhou alguém. Mas não sabemos quem foi esse alguém. Foi um arquiteto? Um engenheiro? Um pedreiro? Uma mulher? Um homem? Um jovem? Várias pessoas? Ou seja, sabemos que existe o mundo e que existe até mesmo certa ordem, mas quem é o responsável não podemos provar.
Para Kant, a razão humana é limitada em diversos aspectos, reduzindo as possibilidades do nosso conhecimento. Mais ainda, ao procurar suas respostas, Kant não se contentava com jogos de palavras – não basta parecer que se prova, é preciso provar de verdade.
Em sua obra A crítica da razão pura, Kant fez a crítica da razão sem as experiências e as provas da existência de Deus. Em outro livro, A crítica da razão prática, o filósofo procurou entender como funciona a racionalidade objetiva, isto é, envolvida com as experiências e, assim, com a vontade. Então, seria justamente na vontade livre do homem que Kant encontraria a certeza da existência de Deus.
A razão prática se dá na ação do homem no mundo. Essa ação acontece pela condição única de ter uma consciência moral. Essa consciência moral está necessariamente ligada aos objetivos do homem – o que se deseja fazer, a vontade. Se tivermos objetivos, o caminho para eles é a razão deles, o seu dever. Sobre isso, Kant nos lembra que o dever só é bom porque ele é garantido pela liberdade; do contrário, não teria valor.
Se a razão prática compreende os objetivos ideais, então não há diferença entre o ideal e o real; afinal, o dever é real e bom. Ser e dever ser encontram sua síntese: Deus. Deus é o sumo bem. Deus existe porque é nosso dever procurar o bem.
Após a reflexão sobre algumas teorias que buscaram compreender racionalmente a existência de Deus, é interessante que os alunos possam pensar em suas religiões, em suas crenças, conversando entre eles com base nas perguntas:
# Como a existência de Deus é explicada em minha religião?
# O que me levou a acreditar em minha religião?
# E os alunos que não se confessam religiosos, o que pensam dessas questões?

Uniformidade e diferença

“Existem certas ideias de uniformidade que se apossam algumas vezes dos grandes espíritos [...], mas impressionam infalivelmente os pequenos. Eles encontram nelas um gênero de perfeição que reconhecem, porque é impossível não descobri-la: os mesmos pesos na polícia, as mesmas medidas no comércio, as mesmas leis no Estado, a mesma religião em todas as partes. Mas será que isso está sempre correto, sem exceção? O mal de mudar é sempre menor do que o mal de suportar? E não estaria a grandeza do gênio mais em saber em que casos é preciso uniformidade e em que casos se precisa de diferenças?” (MONTESQUIEU. The Spirit of Laws)

É fundamental mostrar a violência dos preconceitos e diferenciar a tolerância da alteridade. Tolerar é suportar a pessoa que é diferente, o que é sempre melhor do que a violência. Alteridade é encontrar no outro, naquilo que muitas vezes não entendemos, uma forma de crescimento próprio; é respeitar e admirar quem não é como nós.

domingo, 3 de junho de 2012

Matéria do terceiro ano- definição de política: Sócrates, Platão e Aristóteles

POLÍTICA. Com esse nome foram designadas várias coisas, mais precisamente: 1ª a doutrina do direito e da moral; 2ª a teoria do Estado: 3ª a arte ou a ciência do governo; 4ª o estudo dos comportamentos intersubjetivos.
1ª O primeiro conceito foi exposto em Ética, de Aristóteles. A investigação em torno do que deve ser o bem e o bem supremo, segundo Aristóteles, parece pertencer à ciência mais importante e mais arquitetônica: "Essa ciência parece ser a política. Com efeito, ela determina quais são as ciências necessárias nas cidades, quais as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto" (Et. nic. I, 2. 1094 a 26). Este conceito da P. teve vida longa na tradição filosófica. Hobbes, p. ex., dizia: "A P. e a ética, ou seja. a ciência do justo e do injusto, do equânimee do iníquo, podem ser demonstradas a priori, visto que nós mesmos fizemos os princípios pelos quais se pode julgar o que é justo e equânime, ou seus contrários, vale dizer, as causas da justiça, que são as leis ou as convenções" (Dehom.. X. § 5).
2ª O segundo significado do termo foi exposto em Política de Aristóteles: "Está claro que existe uma ciência à qual cabe indagar qual deve ser a melhor constituição: qual a mais apta a satisfazer nossos ideais sempre que não haja impedimentos externos; e qual a que se adapta às diversas condições em que possa ser posta em prática. Como é quase impossível que muitas pessoas possam realizar a melhor forma de governo, o bom legislador e o bom político devem saber qual é a melhor forma de governo em sentido absoluto e qual é a melhor forma de governo em determinadas condições" (Pol., IV, 1, 1288 b 21). Neste sentido, segundo Aristóteles, a P. tem duas funções: 1ª  descrever a forma de Estado ideal; 2ª determinar a forma do melhor Estado possível em relação a determinadas circunstâncias. Efetivamente, a P. como teoria do Estado seguiu o caminho utópico da descrição do Estado perfeito (segundo o exemplo da Republicada Platão) ou o caminho mais realista dos modos e dos instrumentos para melhorar a forma do Estado, o que foi feito pelo próprio Aristóteles numa parte de seu tratado. As duas partes, todavia, nem sempre são facilmente distinguíveis e nem sempre foram distintas. Quando, a partir de Hegel, o Estado começou a ser considerado "o Deus
real" (v. ESTADO) e o caráter da divindade do Estado foi aceito pela historiografia, a P., enquanto teoria do Estado, pretendeu ter caráter descritivo e normativo ao mesmo tempo.
Assim, Treitsehke esboçava a sua tarefa no seguinte sentido: "A tarefa da P. é tríplice: em primeiro lugar deve investigar, através da observação do mundo real dos Estados, qual é o conceito fundamental de Estado; em segundo lugar, deve indagar historicamente o que os povos quiseram, produziram e conseguiram e por que conseguiram na vida política: em terceiro lugar, fazendo isto, consegue descobrir algumas leis históricas e estabelecer os imperativos morais" (Politik, 1897, intr.; trad. it., I, pp. 2-3). Como já na obra de Treitsehke, a P. como teoria do Estado muitas vezes foi teoria do Estado como força, pois este é de fato o significado de qualquer divinização do Estado (v.).
3ª  A P. como arte e ciência de governo é o conceito que Platão expôs e defendeu em Político, com o nome de "ciência regia" (PoL. 259 a-b), e que Aristóteles assumiu como terceira tarefa da ciência política. "Um terceiro ramo da investigação é aquele que considera de que maneira surgiu um governo e de que maneira, depois de surgir, pôde ser conservado durante o maior tempo possível" (Ibid., IV. 1, 1288 b 27). Foi este o conceito de P. cujo realismo cru Maquiavel acentuou com as palavras famosas: "E muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos como existentes. Porque é tanta a diferença entre como se vive e como se deveria viver, que quem deixa o que faz pelo que deveria fazer aprende mais a arruinar-se do que a preservar-se, pois o homem que em tudo queira professar-se bom é forçoso que se arruíne em meio a tantos que não são bons. Donde ser necessário ao príncipe que, desejando conservar-se, aprenda a poder ser não bom e a usar disso ou não usar, segundo a necessidade" (Princ, XV). Neste sentido. Wolff definia a P. como "a ciência de dirigir as ações livres na sociedade civil ou no Estado" (Log., Disc, § 65). Esta é a ciência ou a arte política à qual se faz referência mais freqüentemente no discurso comum. Referindo-se justamente a este conceito, Kant dizia: "Embora a máxima 'A honestidade é a melhor P.' implique uma teoria infelizmente desmentida com freqüência pela prática, a máxima igualmente teórica 'A honestidade é melhor que qualquer P.' é imune a objeções; aliás é a condição indispensável da P." (Zum eicigen Fríeden, Apêndice, I). Hegel. por outro lado, dizia: "Já se discutiu muito sobre a antítese entre moral e P. e sobre a exigência de a segunda conformar-se à primeira. Sobre isso cumpre apenas notar, em geral, que o bem do Estado tem um direito completamente diferente do bem do indivíduo, e que a substância ética, o Estado, tem sua existência, seu direito, imediatamente numa existência concreta, e não abstrata, e que somente essa existência concreta (e não uma das muitas proposições gerais, consideradas como preceitos morais) pode ser o princípio de sua ação e de seu comportamento. Aliás, a visão do suposto erro que sempre deve ser atribuído à P. nesta suposta antítese baseia-se na superficial idade das concepções de moralidade, de natureza do Estado e de suas relações do ponto de vista moral" (EU. Do d ir.. § 557). Estas palavras de Hegel outra coisa não são senão a reiteração do princípio do maquiavelismo. O que Hegel chama de existência do Estado outra coisa não é senão a realidade efetiva de Maquiavel. que a P. deveria sempre ter presente. Apesar de Hegel ter declarado superada a antítese entre P. e moral, o conflito entre as duas exigências ainda está vivo na prática política e na consciência comum, e as formas de equilíbrio, por elas alcançadas, ainda hoje são provisórias e instáveis.
4- Finalmente, o quarto significado de P. começou a ser usado a partir de Comte, e identifica- se com o de sociologia. Comte deu o nome de Sistema de P. positiva (1851 -54) à sua obra máxima sobre sociologia, pois julgou que os fenômenos políticos, tanto em coexistência quanto em sucessão, estão sujeitos a leis invariáveis, cujo uso pode permitir influenciar esses mesmos fenômenos. Foi nesse sentido que G. Mosca entendeu por P. a ciência da sociedade humana. Justificou esse termo da seguinte maneira: '•Chamamos de ciência política o estudo das tendências acima mencionadas ["leis ou tendências psicológicas constantes, às quais os fenômenos sociais obedecem"] e escolhemos essa denominação porque foi a primeira a ser usada na história do saber humano, porque ainda não caiu em desuso e também porque a nova denominação sociologia, adotada depois de Auguste Comte por muitos escritores, ainda não tem significação bem determinada e precisa, compreendendo, no uso comum, todas as ciências sociais (Elementos de ciência política. 1922, I, 1, § II). Mas neste sentido o termo hoje é impróprio.
Visão política de Sócrates
Diz-se que Sócrates acreditava que as idéias pertenciam a um mundo que somente os sábios conseguiam entender, fazendo com que o filósofo se tornasse o perfeito governante para um Estado. Se opunha à democracia aristocrática que era praticada em Atenas durante sua época, essa mesma ideia surge nas Leis de Platão, seu discípulo. Sócrates acreditava que ao se relacionar com os membros de um parlamento a própria pessoa estar-se-ia fazendo de hipócrita.
Visão política de Platão
Para Platão, a verdadeira política se encontra no mundo das idéias (norma), lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelos. Todos os seres, inclusive o homem, são apenas cópias imperfeitas de tais realidades e se aperfeiçoam à medida que se aproximam do modelo ideal, uma vez que a plenitude humana coincide com o aperfeiçoamento da razão.
A base mais fundamental da política não é senão a própria filosofia. Por isso, Platão diz: "O homem só pode explicar-se moralmente se explicar-se politicamente". O homem é, assim, cidadão por pertencer à sociedade política. Compreendemos a política neste trabalho como a atividade que diz respeito à vida pública, de todos os filhos da cidade. Etimologicamente, pólis, em grego, significa "cidade". A política é portanto, "A ciência do Estado", que é capaz de gerir os destinos da cidade e dos cidadãos. O homem político é aquele que atua na vida pública e é investido de poder para imprimir determinado rumo à sociedade, tendo em vista o interesse comum, o bem do cidadão. Cada cidadão deve ter espaços de efetiva participação política, pois ela está presente em toda relação humana. Certamente, a apresentação da concepção platônica de política e da possível concretização histórica desta apresenta dificuldades, mas se afigura sempre viável. Como demonstramos na obra de Platão, a ciência do político (a política) coincidia com o conhecimento supremo do Bem e das idéias e, portanto, da filosofia, na qual se fundamenta a política platônica. De fato, a política verdadeira deve ter em vista o cuidado da alma (verdadeiro homem).O fim último para a política se exprime pelo fato de que a justa medida que comanda as ações do político, ainda são uma utopia, pois não se reflete em nosso dias uma forma reta de se conduzir e administrar bem a cidade. O conceito de cidadão tão pouco tem a mesma importância que possuía na pólis Grega. Entendemos contudo,  que esta é uma questão que deve ser melhor estudada, a fim de que se tenha normas claras de conduta para a verdadeira arte, que é a política. Mesmo que Platão tenha considerado a sua cidade como uma utopia, devemos ao mesmo nos orientar por seu pensamento a fim de teremos noções claras de que o fim ultimo da política é a realização dos cidadão na pólis e esta somente será realizada caso os cidadãos tenham consciência da sua importância no desenrolar das decisões que a sua cidade (pólis) deverá tomar, ou seja este é a forma de pensamento que nos convida para a ação sobre o direito de ser cidadão
Visão política de Aristóteles: A sociedade como produto da necessidade humana
Na concepção aristotélica o estado surge a partir de uma necessidade imanente (natural) do homem em criar instituições que garantam a felicidade de seus cidadãos. Partindo deste pressuposto o filosofo tenta defender com seus argumentos que o homem é por natureza um animal político. 
 Fundamentando a sua idéia ele afirma que: “... aquele que não pode viver em sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do estado; é um bruto ou um deus...” a formação da cidade ou estado político é produto de uma necessidade natural do homem de se associarem em vista de superar as adversidades.
Esse processo de formação das cidades ao longo da história deu-se de maneira lenta e gradual. A primeira forma de sociedade foi à família que era constituída de indivíduos que visavam suprir suas necessidades cotidianas; a associação dessas famílias ao longo da história deu origem ao burgo, uma espécie de colônia de famílias que tinham relações sejam elas políticas ou econômicas, por fim, a associação desses burgos deu origem à cidade.
Portanto, a associação dos indivíduos é resultante da necessidade do homem de superar os seus obstáculos, em vista da felicidade.
Desigualdade natural entre os homens
O pensamento aristotélico não admitia a igualdade social entre os homens, pois na sua concepção a própria natureza se encarrega de diferenciar os seres humanos.
Para Aristóteles é inconcebível que aqueles que foram por natureza destinada a obedecer, venham a governar. Ele diz, por exemplo, que: “alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar”. A natureza se encarrega de diferenciar os homens na própria composição corpórea; os que são mais fortes e aptos fisicamente são destinados a trabalhos forçados, no caso os escravos.
A escravidão na opinião do estagirita era necessária, já que existindo instrumentos para as diversas atividades artesanais (martelo, prego, etc.), também deveria haver instrumentos humanos para as diversas atividades econômicas.
A desigualdade na sociedade era reflexo da relação de poder na família. Nesta apenas o patriarca possuía o poder em relação aos demais membros. Três eram as autoridades exercidas pelo patriarca na família, o primeiro é o de senhor em relação ao escravo, chamada de autoridade despótica; o segundo é o de esposo em relação à mulher, chamada de autoridade política e o terceiro é o de pai em relação aos filhos, chamada de autoridade real.
Cidade produto da diversidade
Na visão aristotélica o que formava a cidade era a diversidade de funções exercidas pelos seus cidadãos como também a desigualdade entre os homens, ou seja, a unidade das funções e a igualdade entre os indivíduos representavam a morte de uma cidade.
Por causa dessa ideia de diversidade e desigualdade Aristóteles vai dizer: “... não é possível que todos exerçam a autoridade ao mesmo tempo (...) melhor seria também que os mesmos homens ficassem sempre no poder se isso fosse possível.” para mostrar que a desigualdade entre os homens impossibilitava-os de todos exercerem, a autoridade governamental.
A cidade mais do que um aglomerado de burgos é um conjunto formado por diferentes indivíduos que visavam garantir a sua existência, embora seus membros sejam diferentes, todos possuem o mesmo interesse que é a sobrevivência.
Tipos de constituição e de governos
A constituição é a grande ordenadora das diversas magistraturas e é ela quem determina a soberania do estado e o tipo de governo, por isso há seis tipos de constituição, três puras e três impuras, cada qual corresponde a um tipo de governo. As três primeiras correspondem, a realeza, a aristocracia e a república e as três últimas, a tirania, a oligarquia e a democracia.
Aristóteles resume os diversos tipos de governo em dois: “... a democracia e a oligarquia...” Há a democracia quando o poder está nas mãos dos homens livres e há a oligarquia quando o governo está sob domínio dos ricos.
A democracia tem por base a igualdade, ou seja, nela tanto o pobre quanto o rico se encontram no mesmo patamar, já a oligarquia tem por fundamento a desigualdade, nela quem manda são os ricos, cabendo aos pobres obedecerem e serem oprimidos.
O CONCEITO DE 'JUSTO-MEIO'
A Teoria do justo-meio de Aristóteles pressupõe o homem na busca da felicidade da pólis. Ou seja, o homem é parte da cidade e sua felicidade depende da felicidade da cidade. Portanto, o homem feliz é aquele que chega à cidadania. Para que isso ocorra, o homem tem que buscar a excelência, ser virtuoso, ele tem que agir conforme as virtudes (justo-meio). Para ser virtuoso, o homem tem que usar sua virtude intelectual na ação, atuando na obtenção da virtude moral. Inteligentemente, o homem evita os vícios por falta e por excesso e atinge o justo-meio (a virtude). Por exemplo: entre a vaidade (vício por excesso) e a modéstia (vício por falta) está o respeito próprio (justo-meio). Para Aristóteles não é possível chegar no justo-meio fora da ação. Claro também que, para calcular inteligentemente sua ação, o homem tem de ter alma.

matéria do terceiro ano – Filosofia Política

Resumo – Filosofia Política

De início, podemos dizer que é importante, no contexto atual, refletir sobre os valores, as regras sociais e políticas, os direitos, as liberdades e muitos outros conceitos que encontramos em nossa sociedade e no mundo em geral.
A reflexão filosófica acerca da ‘política’ contribui para nossa educação enquanto cidadãos e nos fornece uma base para o exercício da cidadania. É preciso dizer que em Filosofia Política não se posicionar é nada fazer; ora, nada fazer é compactuar com o que está estabelecido – seja lá o que for. Portanto, em Filosofia Política a ausência de convicção refuta-se a si mesma.
Filósofo político => a reflexão dos filósofos políticos se assenta sobre três pressupostos básicos. O primeiro deles consiste no fato de que todos eles buscam justificar uma forma de Estado (democrática, monárquica, despótica, etc), ou seja, provar que determinada forma é a melhor para a sociedade. O segundo é mostrar que os indivíduos têm certos direitos inalienáveis (que não podem ser negados). Ex. liberdade de expressão, direito de ir e vir, entre outros. O terceiro é mostrar como os recursos materiais da sociedade devem ser distribuídos entre seus membros (alguns defendem que devem ser distribuídos igualmente, outros, de acordo com a necessidade de cada um, entre outras formas)
Características principais da filosofia política: Generalidade: todos os conceitos políticos procuram atingir o maior número de pessoas que compõem uma sociedade. Abstração: todos os conceitos políticos são estruturados a partir de ideias, e não de fatos concretos. Ex: justiça, bem comum, etc.
A filosofia política analisa os sistemas econômicos (ex. capitalismo), e reflete sobre o modo como devem ser distribuídos os bens a as riquezas numa determinada sociedade. Busca também um princípio que regule essa distribuição. No que diz respeito à Ética, pode-se dizer que a filosofia política é normativa. Enquanto a Ética (enquanto disciplina filosófica) reflete sobre o que é justiça, a filosofia política reflete sobre o que é uma sociedade justa.
Tema central da Filosofia Política: Poder Político: capacidade de um grupo social se impor sobre outro, a partir de sua capacidade de orientar e dirigir, assegurando a ordem interna de uma sociedade e sua segurança externa. Seu principal objetivo é manter a ordem, assegurar a defesa e promover o bem-estar da sociedade: realizar o bem público.
Poder do Estado: O poder é mais do que essencial para o Estado, pois, ele é o próprio estado. Podendo observar duas formas de poder: O poder não-dominante e o poder dominante. Sendo este último de fundamental importância, pois, mesmo supondo uma sociedade tão civilizada como ainda não existe, onde a moral e a razão guiassem sem atrito as multiformes atividades da maioria, sempre existirá uma fração maior ou menor de inadaptados, criminosos, loucos ou perversos, que seria preciso submeter pela força ou pela ameaça da força, e para isto teria que haver uma autoridade. O verdadeiro sentido do poder ou dominação estatal não é que uns homens estão submetidos a outros, mais sim o de que todos os homens estão submetidos às normas.
O poder do Estado se assenta sobre duas forças principais (segundo Gramsci): a coercitiva, que nada mais é que a imposição do poder pela violência, administrada por um grupo de intelectuais, os burocratas. Quando essa força não é suficiente para conter as massas, é exercida a força ideológica, que influencia as massas de acordo com a ideologia e os valores da classe dirigente, para que se submeta mais facilmente. 

matéria de segundo ano- Contratualistas: INTRODUÇÃO À TEORIA DO INDIVÍDUO

INTRODUÇÃO À TEORIA DO INDIVÍDUO             O indivíduo possessivo – John Locke
Para Locke, por exemplo, pensar a vida humana em períodos primordiais, os quais ele e outros autores como Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau chamaram de estado de natureza, pode favorecer a compreensão sobre a necessidade humana de romper com o estado de natureza e criar o estado de sociedade ou de cultura. Locke entendia que, para compreender o poder político, fazia-se muito importante uma reflexão que procurasse responder ao que teria levado os homens a sair do estado de natureza e passar a viver em sociedade com a organização de governos e leis para regular suas relações.
De acordo com sua filosofia, todos os homens nasciam com três direitos: liberdade, igualdade e garantia de vida. No estado de natureza eram livres, porque não precisavam pedir permissão ou depender da vontade de outro homem; eram iguais, pois nenhum possuía nada a mais que outro, recebendo todos as mesmas vantagens da natureza e as mesmas faculdades. A garantia de vida era dada por uma lei própria do estado de natureza, segundo a qual, por serem iguais e independentes, os homens não deveriam prejudicar uns aos outros e poderiam punir quem viesse a ameaçar a vida deles. No estado de natureza, para Locke, os homens vivem situação de paz. Porém, ele entende que esse estado de paz é ameaçado quando um homem coloca outrem sob seu poder e o submete à sua vontade. Rompe-se, assim, o estado de natureza e instala-se o estado de guerra. Para recuperar o estado de paz, é necessário que os homens se unam em um contrato por meio do qual evitem os inconvenientes do estado de guerra.
Nesse contrato, os homens concordaram que, para evitar que eles fossem usurpados, deveriam eleger um governo, ao qual caberia defendê-los. Assim, todos deveriam respeitar a vida, a propriedade e a liberdade, e o governo ou Estado seria responsável pela manutenção da paz. O governo deveria lutar contra quem quer que tentasse desrespeitar a condição natural de igualdade e liberdade. A partir disso, para Locke, começou a civilização.
Aprofundando
Para aprofundarmos ainda mais as questões, é importante diferenciar o Direito Natural do Direito Positivo. Esses dois conceitos são fundamentais para a formação cidadã dos alunos. O Direito Natural seria uma derivação da razão correta – assim como a natureza tem suas leis, o homem também teria, por natureza, as suas. Já o Direito Positivo seria o conjunto de leis que os homens criam para conviver em sociedade. Em Locke, a liberdade, a propriedade e a vida são constitutivos do Direito Natural de cada indivíduo. No entanto, para mantê-lo, o homem precisa conviver com outros que têm o mesmo Direito Natural; então, para que o convívio seja possível, os homens necessitam produzir leis positivas – no sentido de inventadas – para manutenção desses mesmos direitos naturais. Assim, a partir do Direito Natural de cada um, cria-se o Direito Positivo a que todos têm de obedecer. O que é mais importante para esta aula é deixar claro que, na filosofia de John Locke, há a valorização do indivíduo como agente histórico e jurídico. Além disso, em razão do empirismo, o indivíduo também é responsável pela aquisição e produção do conhecimento, sendo a felicidade, sem dúvida, o fim último da realização individual. Por isso, toda ação depende necessariamente do indivíduo. O tipo de governo que ele deixa existir, o tipo de relações sociais sob as quais viverá; enfim, sua felicidade ou tristeza não compete mais ao rei ou ao senhor feudal, mas somente ao indivíduo.
O indivíduo utilitarista
Para o utilitarismo, o homem é um ser que só é livre quando se desenvolve intelectualmente e é capaz de fazer escolhas morais, diferentemente dos preceitos de Locke, que afirmava a liberdade do homem a partir da natureza. Também não é por um contrato original que o homem passaria a desenvolver a civilização. Primeiro, porque esse contrato não pode ser provado historicamente e segundo porque, para se firmar o contrato, todos teriam certa igualdade. Para Locke, os ricos se tornaram ricos em função do exercício moral da liberdade. A riqueza era, assim, uma recompensa do bom uso da liberdade, sem dano aos outros. Se pensarmos historicamente, isso não é uma verdade, pois sabemos que o processo de enriquecimento está atrelado ao processo de subordinação e empobrecimento do outro. Para o utilitarismo, o homem é um ser que necessita vivenciar seus desejos e, com isso, vivenciar o prazer, o fim último de todos os seres vivos. Ele é um ser passional, não apenas racional ou natural. Para ajudar o homem, os utilitaristas pensaram em criar uma ciência moral tão exata quanto a Matemática, até mesmo para dar conta de um de seus problemas fundamentais, qual seja: como alcançar o prazer, sem produzir dor? De fato, quando se considera o prazer como finalidade ética, temos aquilo que se chama hedonismo. No entanto, o hedonismo utilitarista está fundamentalmente preocupado com a vida em sociedade. Portanto, a noção de prazer e dor deve ser compartilhada, surgindo dessa partilha a verdadeira moral.
O indivíduo segundo o utilitarismo
Obra de Stuart Mill: Sobre a liberdade, em que encontramos uma noção do indivíduo segundo o utilitarismo. Para Mill, a diferença social degrada tanto os ricos como os pobres. Por isso, a igualdade deve ser buscada. Ela será mais útil na produção de prazeres. As relações de subordinação não são bem-vindas, como patrão e empregado, homem e mulher, rico e pobre etc. Outra ideia importante de Mill deriva da necessidade de coexistir pacificamente, pois, ao pagar, o patrão perde e, ao trabalhar, é o empregado quem perde, criando-se, portanto, uma tensão. Para evitá-la, seria fundamental que não houvesse nenhuma divisão social.


Estado de Natureza, contrato social, Estado Civil
O conceito de Estado de Natureza tem a função de explicar a situação pré-social na qual os indivíduos existem isoladamente. Duas foram as principais concepções do Estado de Natureza:
1. a concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou “o homem lobo do homem”. Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar;
2. a concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, o grito e o canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: “É meu”. A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao Estado de Sociedade, que corresponde, agora, ao Estado de Natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos. O Estado de Natureza de Hobbes e o Estado de Sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder político e as leis.
O pacto ou contrato social
A passagem do Estado de Natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social , pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. O contrato social funda a soberania.
Como é possível o contrato ou o pacto social? Qual sua legitimidade? Os teóricos invocarão o Direito Romano – “Ninguém pode dar o que não tem e ninguém pode tirar o que não deu” – e a Lei Régia romana – “O poder é conferido ao soberano pelo povo ” – para legitimar a teoria do contrato ou do pacto social.
O jusnaturalismo
Parte-se do conceito de direito natural : por natureza, todo indivíduo tem direito à vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu corpo, e à liberdade. Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais fortes e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurídica romana, só tem validade se as partes contratantes forem livres e iguais e se voluntária e livremente derem seu consentimento ao que está sendo pactuado. A teoria do direito natural garante essas duas condições para validar o contrato social ou o pacto político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro; e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los. Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela ação humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos naturais são pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado. A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma inovação de grande importância: o pensamento político já não fala em comunidade, mas em sociedade. A idéia de comunidade pressupõe um grupo humano uno, homogêneo, indiviso, compartilhando os mesmos bens, as mesmas crenças e idéias, os mesmos costumes e possuindo um destino comum. A idéia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independentes e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por um ato voluntário, tornaremse sócios ou associados para vantagem recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a idéia de uma coletividade natural ou divina; a sociedade, a de uma coletividade voluntária, histórica e humana.
O Estado
A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito civil, isto é, sob as leis promulgadas e aplicadas pelo soberano. Feito o pacto ou o contrato, os contratantes transferiram o direito natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil ou direito positivo, garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada dos governados. Estes transferiram ao soberano o direito exclusivo ao uso da força e da violência, da vingança contra os crimes, da regulamentação dos contratos econômicos, isto é, a instituição jurídica da propriedade privada, e de outros contratos sociais (como, por exemplo, o casamento civil, a legislação sobre a herança, etc.). Quem é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta. Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembleia democrática. O fundamental não é o número de governantes, mas a determinação de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano foi criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens. Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade civil; aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto é, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar, são cidadãos. Enquanto se submetem às leis e à autoridade do governante que os representa chamam-se súditos. São, pois, cidadãos do Estado e súditos das leis.
A teoria liberal
A burguesia e a propriedade privada
No pensamento político de Hobbes e Rousseau, a propriedade privada não é um direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no Estado de Natureza (em Hobbes) e no Estado de Sociedade (em Rousseau) os indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois não existem leis para garanti-las. A propriedade privada é, portanto, um efeito do contrato social e um decreto do soberano. Essa teoria, porém, não era suficiente para a burguesia em ascensão. De fato, embora o capitalismo estivesse em vias de consolidação e o poderio econômico da burguesia fosse inconteste, o regime político permanecia monárquico e o poderio político e o prestígio social da nobreza também permaneciam. Para enfrentá-los em igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Essa teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo filósofo inglês Locke, no final do século XVII e início do século XVIII. Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo trabalho.
Como fazer do trabalho o legitimador da propriedade privada enquanto direito
natural?
Deus, escreve Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma obra: o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural. O Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade. Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade. O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e são obrigados a trabalhar para outros seja porque são perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, ou são preguiçosos e não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade.