E.E "Pedro de Mello" Filosofia - Professor Ednilson

domingo, 15 de abril de 2012

Filosofia e Linguagem

A linguagem
A importância da linguagem: Na abertura da sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e, dela, somente os homens são capazes.
Segue a mesma linha o raciocínio de Rousseau no primeiro capítulo do Ensaio sobre a origem das línguas:
A palavra distingue os homens dos animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado.
Escrevendo sobre a teoria da linguagem, o linguista Hjelmslev afirma que “a linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos”, sendo “o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana.”
Prosseguindo em sua apreciação sobre a importância da linguagem, Rousseau considera que a linguagem nasce de uma profunda necessidade de comunicação:  Desde que um homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicarlhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isso.
Gestos e vozes, na busca da expressão e da comunicação, fizeram surgir a linguagem. Por seu turno, Hjelmslev afirma que a linguagem é “o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.”
A linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda a nossa vida. Ela não é um simples acompanhamento do pensamento, “mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento”, é “o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração”.
A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.
No entanto, no diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon. Esta palavra grega, que em português se traduz por poção, possui três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético. Ou seja, Platão considerava que a linguagem pode ser um medicamento ou um remédio para o conhecimento, pois, pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos, sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. Enfim, a linguagem pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode ser encantamento-sedução.
A força da linguagem: Podemos avaliar a força da linguagem tomando como exemplo os mitos e as religiões. A palavra grega mythos, como já vimos, significa narrativa e, portanto, linguagem. Trata-se da palavra que narra a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas (o fogo, a agricultura, a caça, a pesca, o artesanato, a guerra) e da vida do grupo social ou da comunidade.
O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou pronunciadas. São mais do que uma simples narrativa; são a maneira pela qual, através das palavras, os seres humanos organizam a realidade e a interpretam.O melhor exemplo encontra-se na abertura da Gênese, em que Deus cria o mundo do nada, apenas usando a linguagem: “E Deus disse: faça-se!”, e foi feito. Uma palavra criadora.
A linguagem tem, assim, um poder encantatório, isto é, uma capacidade para reunir o sagrado e o profano, trazer os deuses e as forças cósmicas para o meio do mundo, ou, como acontece com os místicos em oração, tem o poder de leva os humanos até o interior do sagrado. Eis por que, em quase todas as religiões existem profetas e oráculos, isto é, pessoas escolhidas pela divindade para transmitir mensagens divinas aos humanos. Esse poder encantatório da linguagem aparece, por exemplo, quando vemos (ou lemos sobre) rituais de feitiçaria, nas lendas, nos contos infantis (“Abracadabra”).
As palavras assumem o poder contrário também, isto é, criam tabus. Ou seja, há coisas que não podem ser ditas porque, se forem, não só trazem desgraças, como ainda desgraçam quem as pronunciar. As palavras-tabus existem nos contextos religiosos, nos brinquedos infantis, quando certas palavras são proibidas a todos os membros do grupo; na vida social, sob os efeitos da repressão dos costumes; na vida política.
Independentemente de acreditarmos ou não em palavras místicas, mágicas, encantatórias ou tabus, o importante é que existam, pois sua existência revela o poder que atribuímos à linguagem. Esse poder decorre do fato de que as palavras são núcleos, sínteses ou feixes de significações, símbolos e valores que determinam o modo como interpretamos as forças divinas, naturais, sociais e políticas e suas relações conosco.
A outra dimensão da linguagem
Para referir-se à palavra e à linguagem, os gregos possuíam duas palavras: mythos e logos. Diferentemente do mythos, logos é uma síntese de três palavras ou ideias: fala/palavra, pensamento/ideia e realidade/ser. Logos é a palavra racional do conhecimento do real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os nexos e ligações universais e necessários entre os seres).
É a palavra-pensamento compartilhada: diálogo; é a palavra-pensamento verdadeira: lógica; é a palavra-pensamento de alguma coisa: o “logia” que colocamos no final de palavras como cosmologia, mitologia, etc.
Do lado do logos desenvolve-se a linguagem como poder de conhecimento racional e as palavras, agora, são conceitos ou ideias, estando referidas ao pensamento, à razão e à verdade.
Essa dupla dimensão da linguagem (como mythos e logos) explica por que, na sociedade ocidental, podemos comunicar-nos e interpretar o mundo sempre em dois registros contrários e opostos: o da palavra solene, mágica, religiosa, artística, e o da palavra leiga, científica, técnica, puramente racional e conceitual. Não por acaso, muitos filósofos das ciências afirmam que uma ciência nasce ou um objeto se torna científico quando uma explicação que era religiosa, mágica, artística, mítica cede lugar a uma explicação conceitual, causal, metódica, demonstrativa, racional.
A origem da linguagem
Durante muito tempo a Filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da linguagem.
Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens (existe por natureza) ou é uma convenção social. Essa discussão levou, à seguinte conclusão: a linguagem como capacidade de expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem de condições históricas, determinadas, ou seja, são fatos culturais.
Perguntar pela origem da linguagem levou a quatro tipos de respostas:
1. a linguagem nasce por imitação, isto é, os humanos imitam, pela voz, os sons da Natureza. A origem da linguagem seria, portanto, a onomatopeia ou imitação dos sons animais e naturais;
2. a linguagem nasce por imitação dos gestos, isto é, nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco, gesto passou a ser acompanhado de sons e estes se tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos;
3. a linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a necessidade de abrigar-se e proteger-se, levaram à criação de palavras, formando um vocabulário elementar e rudimentar, que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se numa língua;
4. a linguagem nasce das emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felicidade). Citando novamente Rousseau em seu Ensaio sobre a origem das línguas:
Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.
Assim, a linguagem, nascendo das paixões, foi primeiro linguagem figurada e por isso surgiu como poesia e canto, tornando-se prosa muito depois; e as vogais nasceram antes das consoantes. Assim como a pintura nasceu antes da escrita.
Essas teorias não são excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas essas fontes ou modos de expressão, e os estudos de Psicologia Genética (isto é, da gênese da percepção, imaginação, memória, linguagem e inteligência nas crianças) mostra que uma criança se vale de todos esses meios para começar a exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos de significação, ou quando passa do expressivo ao significativo. Um gesto ou um grito exprimem, por exemplo, medo; palavras, frases e enunciados significam o que é sentir medo, dão conteúdo ao medo.
O que é a linguagem?
A linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre pessoas e para a expressão de ideias, valores e sentimentos. Essa definição afirma que:
1. a linguagem é um sistema, isto é, uma totalidade estruturada, com princípios e leis próprios, sistema esse que pode ser conhecido;
2. a linguagem é um sistema de sinais ou de signos, isto é, os elementos que formam a totalidade linguística são um tipo especial de objetos, os signos, ou objetos que indicam outros, designam outros ou representam outros. Por exemplo, a fumaça é um signo ou sinal de fogo;
3. a linguagem indica coisas, isto é, os signos linguísticos (as palavras) possuem uma função indicativa ou denotativa, pois como que apontam para as coisas que significam;
4. a linguagem tem uma função comunicativa, isto é, por meio das palavras entramos em relação com os outros, dialogamos, argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos, amamos e odiamos, ensinamos e aprendemos, etc.;
5. a linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores, isto é, possui uma função de conhecimento e de expressão, sendo neste caso conotativa, ou seja, uma mesma palavra pode exprimir sentidos ou significados diferentes, dependendo do sujeito que a emprega, do sujeito que a ouve e lê, das condições ou circunstâncias em que foi empregada ou do contexto em que é usada.
A definição nos diz, portanto, que a linguagem é um sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa.
No entanto, essa definição não nos diz várias coisas. Por exemplo, como a fala se forma em nós? Por que a linguagem pode indicar coisas externas e também exprimir ideias (internas ao pensamento)? Por que a linguagem pode ser diferente quando falada pelo cientista, pelo filósofo, pelo poeta ou pelo político? Como a linguagem pode ser fonte de engano, de mal-entendido, de controvérsia ou de mentira? O que se passa exatamente quando dialogamos com alguém? O que é escrever? E ler? Como podemos aprender uma outra língua?

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